Imigrantes naturalizados nos Estados Unidos estão cada vez mais apreensivos diante das políticas migratórias implementadas por Donald Trump. Relatos de detenções equivocadas, operações com agentes mascarados, ameaças de ampliar deportações e comentários sobre o fim da cidadania por nascimento geram insegurança até entre aqueles que já cumpriram todos os requisitos legais. A promessa era clara: ao tornar-se cidadão, o indivíduo firmaria um pacto com o país — assumiria responsabilidades, como votar, e, em troca, receberia proteção e pertencimento. Porém, nos últimos meses, com o presidente Donald Trump remodelando as políticas migratórias e redefinindo quem é considerado parte da nação, esse sentimento de segurança tem se transformado em inquietação.
Para muitos naturalizados, a percepção é de que o alicerce antes sólido da cidadania está virando areia movediça. A intensificação das operações migratórias, o debate sobre o fim do direito constitucional à cidadania por nascimento e as ameaças de ampliar o escopo das deportações criam um clima de vulnerabilidade que atinge até quem já cumpriu todos os requisitos para ser reconhecido como americano.
Medo de viajar, de circular e até de falar
Um dos receios mais presentes entre naturalizados é o que pode acontecer ao sair do país e tentar voltar. Relatos de cidadãos submetidos a interrogatórios rigorosos ou detenções temporárias por agentes de fronteira aumentaram a sensação de insegurança. Muitos agora se perguntam se precisam reforçar medidas de privacidade, como bloquear celulares, ou carregar documentação adicional.
Há ainda quem tenha medo de viajar internamente. Casos como o de um cidadão americano detido sob a acusação equivocada de estar ilegalmente no país, mesmo após apresentação de sua certidão de nascimento, repercutiram de forma intensa. Alguns afirmam que hoje não embarca em um voo doméstico sem levar o passaporte, mesmo possuindo um REAL ID — documento federalmente padronizado e considerado altamente seguro.
As grandes operações de fiscalização migratória, muitas vezes conduzidas por agentes mascarados e sem identificação, em cidades como Chicago e Nova York, também contribuíram para o temor. Há registros de cidadãos americanos detidos por engano durante essas ações. Um deles, detido duas vezes, entrou com um processo federal contra as autoridades migratórias.
Somando-se a esse ambiente, o Departamento de Justiça publicou um memorando no verão americano indicando que ampliaria os esforços para retirar a cidadania de imigrantes condenados por crimes ou considerados riscos à segurança nacional. E, em um episódio de destaque político, Trump chegou a ameaçar a cidadania do prefeito eleito de Nova York, Zohran Mamdani, um democrata socialista naturalizado ainda jovem.
O medo é tanto que muitas pessoas evitam falar publicamente sobre o assunto, receosas de atrair atenção indesejada. Organizações comunitárias afirmam que poucos aceitam dar entrevistas.
Sensação de insegurança atinge até quem sempre se sentiu protegido
No Novo México, a senadora estadual Cindy Nava afirma reconhecer o temor crescente. Imigrante que chegou ao país sem documentos, viveu sob o programa DACA e posteriormente adquiriu cidadania por casamento, ela diz nunca ter visto naturalizados tão apreensivos.
"As pessoas que antes não tinham medo agora estão incertas sobre o que sua cidadania realmente garante", afirma.
Para especialistas, essa oscilação no significado da cidadania não é inédita. Stephen Kantrowitz, professor de história da Universidade de Wisconsin-Madison, lembra que o termo "cidadão" aparece na Constituição original dos Estados Unidos, mas sem definição precisa. "É um conceito inspirado no ideal revolucionário francês, sugerindo igualdade dentro da comunidade política, mas extremamente indefinido", explica.
Uma história marcada por inclusão, exclusões e retrocessos
A trajetória da cidadania americana é repleta de avanços e limitações. A primeira lei de naturalização, de 1790, restringia o acesso a "pessoas brancas livres de bom caráter". Após a Guerra Civil, indivíduos de ascendência africana foram incorporados às categorias elegíveis, e a 14ª Emenda garantiu cidadania automática a qualquer pessoa nascida em solo americano.
No entanto, ao longo dos séculos seguintes, legislação e política frequentemente definiram quem podia — ou não — tornar-se cidadão. A Lei de Imigração de 1924, por exemplo, impediu a entrada e, por consequência, a naturalização de imigrantes de países asiáticos, considerados inelegíveis. Somente em 1952 essas barreiras raciais foram oficialmente removidas. Em 1965, uma reforma migratória estabeleceu um sistema mais equitativo de distribuição de vistos.
Também houve momentos em que cidadãos perderam o status. O caso mais emblemático ocorreu em 1923, quando a Suprema Corte decidiu que imigrantes indianos não eram considerados "brancos" e, portanto, não poderiam ser naturalizados — decisão que levou à revogação da cidadania de dezenas de pessoas. Em outros momentos, os direitos foram ignorados na prática, como no internamento de japoneses americanos durante a Segunda Guerra Mundial.
"Em certos períodos, o poder político simplesmente decide que um grupo ou indivíduo não é mais digno de cidadania", afirma Kantrowitz.
Medidas de proteção adotadas por naturalizados
Diante das incertezas atuais, especialistas em direitos imigratórios recomendam que cidadãos naturalizados adotem cuidados simples, mas eficazes, para evitar equívocos com autoridades de imigração. Entre as orientações estão carregar sempre um documento oficial válido — como passaporte americano ou certificado de naturalização — principalmente ao viajar, mesmo dentro do país. Advogados também sugerem manter cópias digitais seguras dos documentos de cidadania e evitar fornecer celulares ou senhas sem uma justificativa legal clara, garantindo assim a proteção de dados pessoais. Em deslocamentos internacionais, recomenda-se manter registros de viagens e comprovações de residência nos EUA, caso sejam solicitados por agentes de fronteira. Para muitos naturalizados, essas medidas funcionam como uma camada adicional de segurança em um momento em que até cidadãos plenamente regularizados temem ser alvo de equívocos ou excessos das autoridades migratórias.

