Arte como resistência e, mais do que isso, arte como a forma de criar um lugar seguro dentro de si e de manter a esperança. É assim que o poeta, dramaturgo e romancista haitiano Jean D'Amérique define o fazer que o acompanha há tantos anos. Pela primeira vez no Brasil, o artista que recebeu diversos prêmios ao longo da carreira participa do Festival Artes Vertentes.
Em entrevista à
Agência Brasil, D'Amérique fala sobre o papel da poesia na própria vida, sobre a situação política e social do Haiti e o impacto disso nas artes e sobre o encontro com o Brasil.
D'Amérique é também o diretor artístico do festival Transe Poétique (em português, Transe Poético), em Porto PríncipeEstou aqui há três dias e vi pessoas que se parecem fisicamente comigo, então, é a primeira coisa que mostra que temos certas coisas em comum, talvez por identidade.
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Depois de participar de festivais e de eventos em diversos países, ele sentiu a necessidade de levar tudo isso para mais perto de casa, de tornar a capital haitiana também o centro da poesia, com um festival internacional.
Nós costumamos ver a França ou a Europa como os locais principais para desenvolver essa arte, mas acredito que podemos criar esse lugar no Haiti ou em outra parte do mundo considerada periférica. Podemos criar as nossas próprias estruturas para desenvolver nossa arte. Não precisamos sempre estar atrás de oportunidades em outros países, podemos criar algo em casa, conta.
O Transe Poétique busca também encorajar os jovens e aqueles que se interessam por poesia a seguirem esse caminho e a não deixarem de se expressar por meio da arte. Para D'Amérique, essa coragem foi o que abriu muitos caminhos:
Foi uma grande oportunidade ter conhecido a poesia, porque ao meu redor havia muita violência. Era mais fácil encontrar uma arma do que um livro, literalmente. Então, quando encontrei essa maneira de me expressar, foi muito bom.
Diante de um cenário de crise no país, ele diz que não desistirá da poesia. Desde criança, moro neste país e vejo as coisas indo mal. Realmente não houve um tempo em que vivesse em paz neste país. Hoje está piorando. Mas acho que a arte em geral, no Haiti, é sempre uma forma de fazer uma espécie de resistência, porque é a única parte em que o país está indo bem. Por meio das criações artísticas que fazemos ainda podemos ter esperança, ainda podemos lutar por uma vida melhor. É isso que tenho feito e continuarei fazendo, diz.
Na 14ª edição do Festival Artes Vertentes, que ocorre até 21 de setembro em Tiradentes (MG), D'Amérique participa com leituras, debates e performances.
Ele apresenta, com o ator mineiro Artur Rogério, a obra A Catedral dos Porcos, na terça-feira (16), que recebeu o prêmio francês de teatro Jean-Jacques Lerrant.
Nesse sábado (13), sua também premiada peça Ópera Poeira ganhou mais uma encenação. Depois de ser interpretada em festivais europeus, foi a vez do Brasil dar vida à Sanité Belair, tenente do exército revolucionário haitiano, resistente anticolonialista, executada em 1802, aos 21 anos, pelos soldados franceses, apenas um ano antes da batalha final que levaria à Independência do Haiti.