A recente euforia da Bolsa brasileira contrasta fortemente com o desempenho das grandes empresas estatais: enquanto o Ibovespa renova máximos históricos, companhias como Banco do Brasil, Petrobras e os Correios seguem precificadas como se o Brasil fosse um território de alto risco permanente. A essência desse paradoxo é clara: não é apenas uma questão de lucro, mas de confiança — ou da falta dela.
Valorização de mercado paga pelo investidor
O Ibovespa, índice que reúne as principais ações listadas na B3 — Brasil Bolsa Balcão, registrou ganhos de mais de 20% em 2025, impulsionado por perspectiva de corte de juros internacionais e quantidade robusta de liquidez global. Nesse cenário, contudo, os papéis de estatais controladas pelo governo não acompanharam a onda: o Banco do Brasil acumulou queda próxima a — 16% em 12 meses segundo dados do Trading Economics. E mesmo com fundamentos produtivos sólidos, a Petrobras negocia a múltiplos bem abaixo de pares internacionais — em parte por "risco político" explícito.
O caso dos Correios: do superávit à sangria
Durante a gestão de Paulo Guedes (2019-2022), os Correios apresentaram seu melhor desempenho financeiro em mais de uma década.
Em 2021, a empresa registrou lucro líquido de R$ 3,7 bilhões, resultado da redução de custos operacionais, aumento de produtividade e revisão de contratos deficitários.
Em 2022, o lucro ainda foi positivo, R$ 2,3 bilhões, e a estatal chegou a ser avaliada para privatização, com parecer favorável do TCU, dentro da agenda liberal do governo Bolsonaro/Guedes.
O endividamento foi reduzido e a estatal fechou o período com caixa positivo de R$ 4,8 bilhões, segundo balanço oficial da ECT.
Com a entrada do novo governo e a gestão sob Fernando Haddad (2023-2025), o cenário se inverteu.
Em 2024, os Correios registraram prejuízo líquido de R$ 940 milhões, revertendo o ciclo de lucros iniciado em 2020.
Em 2025, segundo o balanço preliminar apresentado à Secretaria do Tesouro, a empresa opera com déficit operacional superior a
R$ 1,2
bilhão, pressionada por folha salarial e contratos de transporte.
Internamente, o plano de reestruturação foi suspenso, e o projeto de privatização arquivado.
Em números simples, a empresa que deu lucro sob Guedes voltou ao vermelho sob Haddad — um retrato microeconômico de um problema macro: o retorno da ingerência estatal e do descontrole fiscal em larga escala.
Guedes vs. Haddad: dois modelos, dois humores do mercado
Durante o governo de Paulo Guedes, ministro da Economia entre 2019-2022, prevaleceu no discurso uma agenda liberal: reformas estruturais, privatizações, enxugamento do Estado. A mensagem clara aos investidores era: "comprem o Brasil". Na prática, embora o crescimento tenha sido limitado, a credibilidade ganhou fôlego. Em contrapartida, com Fernando Haddad à frente da Economia, o tom mudou. O novo arcabouço fiscal trouxe promessa de superávit futuro, mas convive com dúvidas sobre gasto público e dependência de maior intervenção estatal. A cautela no mercado diante dessa viragem se reflete em prêmios de risco maiores para empresas com presença estatal relevante.
Câmbio, prêmio Brasil e o desconto das estatais
O real se desvalorizou mais de 16% contra o dólar em 2024, pressionando inflação, custo de capital e percepção de risco externo. Em 2025 há sinais de recuperação cambial, mas a volatilidade permanece elevada. Num país onde o câmbio funciona como termômetro de credibilidade, as estatais sofrem duplamente: além de operarem sob mandato político, ainda carregam o "desconto Brasil". Ou seja: o investidor exige valuation inferior para compensar risco de intervenção, dívida externa e instabilidade regulatória.
Choque externo, sanções e adelgaçamento do crédito
O capítulo mais recente é geopolítico. Sanções ligadas à Global Magnitsky Human Rights Accountability Act e as tensões diplomáticas com os EUA criaram um risco adicional para bancos públicos — canais tradicionais de implantação de políticas estatais. Em agosto de 2025, o Banco do Brasil anunciou recuo de cerca de 60% no lucro ajustado e revisou para baixo suas estimativas de 2025, evento que derrubou suas ações em mais de 30% num único pregão. A correlação entre crédito internacional mais caro, risco regulatório e avaliação de mercado das estatais torna-se explícita.
Em síntese, o Brasil vive um paradoxo: a Bolsa em ascensão enquanto suas estatais derretem. A leitura liberal é que isso não decorre de azar, mas de má administração — ou, ao menos, de modelo de negócio incompatível com o "Brasil investimento". Sob Guedes, investidor internacional tinha algum conforto de governança; sob Haddad, prevalece a sensação de retorno ao protagonismo estatal e confronto externo. Com câmbio sob pressão e risco externo elevado, a conta acaba chegando às empresas controladas pelo Estado: ação desvalorizada, custo de capital mais alto, horizonte de dividendos incerto. No fim, o investidor é quem paga pela operacionalização da política — e as estatais, com suas janelas abertas para o risco político e externo, tornaram-se o símbolo da fragilidade desse modelo.

