Uma nova rota de fuga corporativa
Nos últimos anos, o mapa empresarial da América do Sul e da América do Norte vem sendo redesenhado. Cada vez mais companhias brasileiras estão atravessando fronteiras em busca de um ambiente de negócios menos hostil e mais promissor. Os destinos preferidos? Paraguai, Uruguai e, de maneira crescente, os Estados Unidos.
O fenômeno, embora não seja novo, ganhou força na última década e reflete a incapacidade do Brasil de reter empresas que poderiam contribuir para o crescimento interno, a geração de empregos e a inovação. Por trás dessa fuga está um conjunto de fatores que vão desde a alta carga tributária até a burocracia crônica do Estado brasileiro.
Principais motivos para a migração
O diagnóstico é claro. O Brasil mantém um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, com múltiplos impostos, diferentes bases de cálculo e alíquotas que variam conforme o setor. Esse emaranhado transforma a atividade empresarial em um verdadeiro campo minado, onerando a produção e reduzindo a competitividade.
A burocracia é outro entrave: abrir, regularizar e manter uma empresa no país exige tempo e dinheiro que poderiam ser direcionados ao crescimento. Enquanto isso, Paraguai e Uruguai oferecem pacotes mais enxutos, ágeis e atrativos, com regimes fiscais favoráveis, custos operacionais menores e ambientes regulatórios simplificados.
Já os Estados Unidos se destacam pela solidez institucional, infraestrutura robusta e mercado consumidor altamente diversificado. Não por acaso, empresas brasileiras de tecnologia e finanças têm cruzado o hemisfério. É o caso da Inter&Co, fintech que estabeleceu sua sede em Miami em 2023, e da CI&T, gigante de TI de Campinas que hoje mantém escritórios em cidades como Oakland, Nova York e Filadélfia.
Quantas empresas estão saindo?
Embora o IBGE, o Banco Central e o Ministério da Economia não divulguem dados oficiais sobre a quantidade exata de empresas que migram para países vizinhos ou para os EUA, indícios do movimento aparecem em outras fontes.
O registro crescente de CNPJs estrangeiros, o volume de investimentos diretos e a formação de polos empresariais fora do país revelam a tendência. No Paraguai, a agricultura e a logística absorvem grande parte dessas companhias. No Uruguai, o destaque fica para os parques tecnológicos e empresas de software. Já nos Estados Unidos, fintechs e empresas de tecnologia lideram a expansão.
Impactos na economia brasileira
A saída de empresas não é apenas uma estatística: é um golpe direto na economia.
Menor arrecadação: cada companhia que cruza a fronteira leva consigo a carga tributária que deixaria nos cofres públicos.
Perda de empregos: fábricas e escritórios fechados resultam em desemprego imediato e em efeito cascata sobre fornecedores e prestadores de serviço.
Desindustrialização: a participação da indústria no PIB brasileiro caiu de 46% nos anos 1980 para cerca de 11% em 2019, e a evasão de empresas só acelera essa curva descendente.
O resultado é um Brasil mais dependente de setores de baixo valor agregado e menos competitivo no cenário internacional.
Paraguai, Uruguai e Estados Unidos: os ganhadores
Enquanto o Brasil perde, os países receptores colhem frutos.
Paraguai: consolidou-se como potência agrícola regional. Estima-se que cerca de 70% dos produtores de soja e arroz sejam brasileiros ou descendentes, fortalecendo o setor e garantindo autossuficiência.
Uruguai: transformou-se em polo de inovação tecnológica, com ambiente de negócios estável e foco em software, tecnologia e serviços modernos.
Estados Unidos: recebem não apenas capital financeiro, mas também expertise. A instalação de empresas brasileiras em território americano reforça a diversidade econômica local e consolida cidades como Miami como hubs para negócios latino-americanos.
O reflexo e o alerta
A migração empresarial representa a exportação involuntária de empregos, investimentos e know-how que poderiam estar impulsionando o Brasil. Enquanto isso, Paraguai, Uruguai e Estados Unidos consolidam setores estratégicos, ampliam suas receitas e atraem mão de obra qualificada.
Se não houver reformas estruturais — tributária, regulatória e de estímulo ao investimento — o Brasil continuará perdendo espaço em um cenário global cada vez mais competitivo.
Caminhos para recuperar terreno
Uma reforma tributária real, que simplifique e reduza custos para produzir.
Desburocratização efetiva, permitindo abrir e gerir empresas com rapidez.
Políticas de incentivo à indústria e à tecnologia, para reter capital e talentos.
Atração de investimentos regionais, reduzindo desigualdades e fortalecendo polos fora dos grandes centros.
Sem essas mudanças, o país seguirá assistindo à saída de empresas que poderiam ser protagonistas de sua recuperação econômica. A fuga para Paraguai, Uruguai e Estados Unidos não é apenas um fenômeno pontual, mas um sintoma de um problema estrutural que exige soluções urgentes.