Brasília - A decisão liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que determinou que leis e ordens judiciais de governos estrangeiros não têm validade automática no Brasil sem homologação judicial, criou uma das situações mais delicadas da história recente do sistema financeiro nacional. O alvo imediato é a chamada Lei Magnitsky, legislação norte-americana criada em 2012 após a morte do advogado russo Sergei Magnitsky, e que autoriza Washington a impor sanções contra indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Recentemente, sob influência direta do ex-presidente Donald Trump, a norma foi utilizada para atingir ministros brasileiros, entre eles Alexandre de Moraes, acusado nos Estados Unidos de abuso de autoridade.
A decisão de Dino colocou os principais bancos brasileiros — Itaú Unibanco, Bradesco, Santander Brasil, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — em posição inédita de confronto entre Brasília e Washington. Esses bancos dependem de contas de compensação em Nova York para realizar operações em dólar, base de quase todo o comércio exterior e das transações de commodities. Caso desobedeçam às ordens americanas e mantenham contas ou operações de ministros atingidos pelas sanções, correm o risco de perder o acesso ao sistema financeiro dos Estados Unidos. Isso significaria, em termos práticos, a impossibilidade de liquidar contratos internacionais, efetuar importações e exportações e manter linhas de crédito em moeda forte.
Além da ameaça de bloqueio em dólar, existe o risco de exclusão do sistema global de pagamentos Swift, algo já imposto a países como Irã e Rússia. Sem o Swift, as instituições brasileiras ficariam virtualmente isoladas do circuito financeiro internacional, incapazes de processar transferências regulares com bancos estrangeiros. Para economistas, esse cenário equivaleria a um estrangulamento do comércio exterior e poderia paralisar setores inteiros da economia.
Outro ponto sensível são as multas bilionárias que podem ser impostas pelos órgãos reguladores americanos. O exemplo mais citado é o do BNP Paribas, punido em 2014 com uma penalidade de quase nove bilhões de dólares por descumprir embargos dos Estados Unidos. Para bancos brasileiros com presença no mercado americano, como o Itaú em Miami ou o Bradesco em Nova York, o risco é semelhante. A simples abertura de processos já seria suficiente para provocar rebaixamento das notas de crédito pelas agências internacionais e gerar fuga de capitais.
Há ainda o temor de congelamento imediato de ativos mantidos em território americano. Filiais de bancos nacionais nos Estados Unidos poderiam ter suas reservas de liquidez, contas de clientes e operações financeiras bloqueadas por decisão unilateral do Tesouro americano. Essa medida afetaria diretamente as linhas de financiamento externas do Brasil e comprometeria o refinanciamento da dívida pública no mercado internacional.
Os impactos no mercado interno seriam imediatos. A cotação do dólar sofreria uma disparada, elevando os preços de importados como medicamentos, combustíveis e eletrônicos. A inflação ganharia fôlego adicional e o custo do crédito aumentaria de forma acentuada. Empresas que dependem de financiamento externo veriam suas linhas de crédito secarem, e investidores estrangeiros reduziriam drasticamente sua exposição à bolsa e à dívida brasileira, agravando a instabilidade financeira.
No limite, o governo poderia ser forçado a intervir diretamente para salvar bancos em dificuldade. O Banco Central teria de injetar liquidez emergencial, criar mecanismos de compensação em moedas alternativas como o yuan chinês ou o euro, e até assumir perdas bilionárias em caso de quebra de uma instituição de caráter sistêmico. A experiência de países sancionados mostra que esse tipo de medida gera distorções profundas e duradouras.
A leitura política do episódio é que Dino buscou afirmar a soberania nacional diante da ingerência estrangeira, declarando que nenhuma lei de fora pode se sobrepor ao ordenamento jurídico brasileiro. Porém, analistas conservadores lembram que, embora a decisão seja correta no plano jurídico, sua execução sem um plano diplomático consistente pode arrastar o Brasil para um isolamento perigoso. Economistas como Marcos Lisboa, presidente do Insper, e políticos liberais como Kim Kataguiri alertam que o país corre o risco de ser comparado a economias sancionadas como a argentina em momentos de colapso financeiro.
Em conversas reservadas, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teria manifestado preocupação com os desdobramentos de uma crise bancária internacional, que poderia estourar em questão de dias caso os Estados Unidos apliquem sanções contra instituições brasileiras. Nos bastidores, executivos de bancos estrangeiros descrevem o momento como devastador.